terça-feira, 9 de julho de 2013

Vidura e uma aula sobre o Dharma



Quando Sanjaya retornou de Upaplavya foi diretamente ao encontro do rei Dhritarashtra e se anunciou. O rei o saudou com bastante entusiasmo. Sanjaya disse: “Yudhishthira se prostra diante de ti e pergunta pelo seu bem e dos seus filhos e amigos. Seus irmãos e Kṛṣṇa estão muito bem. Eu me sentia muito bem naquela atmosfera de paz e retidão que lá encontrei. Era como respirar o ar puro das montanhas. Eu não gosto de seu comportamento e tampouco de suas palavras. Eu tive que realizar uma tarefa extremamente desagradável por sua causa. Você não é correto, assim como seus filhos, também não são. E mesmo assim você deseja desfrutar dos prazeres desta terra. Surpreende-me o seu otimismo. Eu entreguei sua mensagem a Yudhishthira, porém sua resposta será dada somente amanhã na corte. Eu desejo descansar agora. Estou física e mentalmente cansado. Por favor, permita-me ir.”
Sanjaya se retira. A mente de Dhritarashtra permanece terrivelmente atormentada pelas palavras ditas. A resposta de Yudhishthira não havia sido revelada. O rei ardia como se consumido por uma febre. Ele tentava dormir, em vão. Em desespero ele procura por Vidura (seu irmão). Vidura o questiona o porquê de sua visita. A condição do rei era de dar pena. Ele disse: “Vidura, Sanjaya retornou de Upaplavya. Ele usou palavras ásperas comigo e depois se retirou. Ele não quis nem me dar uma pequena amostra das palavras de Yudhishthira. Eu tentei dormir e não consegui. Você é meu único amigo. Você sempre me amou apesar de todos os meus erros. Você precisa me consolar e me fazer dormir. Eu não consigo dormir!”
Vidura disse: “Meu senhor, cinco tipos de pessoas não conseguem dormir. Um homem que deseja a mulher do próximo, não consegue dormir. Um ladrão não consegue dormir. Um homem que perdeu todos os seus bens ou que pensa que os perderá, não consegue dormir. Um homem mal sucedido não consegue dormir. Um homem fraco oprimido por outro mais forte não consegue dormir. Espero que nenhuma destas descrições sirva a você. Certamente a avareza e a ambição não são qualidades encontradas em ti!”
Dhritarashtra já estava acostumado com o sarcasmo nas palavras de Vidura. Elevado pelas palavras de seu irmão, ele diz: “Me diga, por favor, como posso dormir.”
Vidura sorri para ele numa mistura de piedade e desdenho. Ele diz: “Você já não consegue dormir há alguns anos, meu senhor! Desde o momento em que os Pandavas, guiados pelos rṣis de Satsaringa, chegaram à Hastinapura. Mas a verdadeira razão pela sua incapacidade de dormir remonta ainda há anos atrás. Eu me lembro do dia em que seu filho, Duryodhana, nasceu. Você me chamou e me perguntou: ouvi que meu irmão, Pandu, já tem um filho nascido antes do meu. Você acha que teremos problemas na herança do trono? Desde aquele dia, o ciúme se instalou em seu coração e lhe arrancou o sono.
Pelos últimos tantos anos, tenho tentado, em vão, lhe mostrar um pouco de retidão. Você é uma pessoa de má conduta. Você é o responsável pelo sofrimento dos Pandavas e a iminente destruição dos Kauravas. Como é que uma pessoa como você dormiria? Yudhishthira sempre lhe respeitou como um pai. Aliás, ele o considera como pai. Mas você sempre agiu como um ladrão em relação a ele. Este seu sofrimento, portanto, não me surpreende. E você me pergunta como fazer para dormir? Neste exato momento, se você decidisse devolver o reino a Yudhishthira, dormiria como uma inocente criança. Por favor, ouça-me. Você não é sábio. É um tolo!”
Dhritarashtra disse: “Diga-me, querido irmão, quais são as qualidades encontradas em um sábio e as qualidades encontradas em um tolo?”
Vidura disse: “Eu lhe direi como deve ser um homem sábio. Um homem deve aspirar por grandes ideais na vida. As bases deste homem devem ser o autoconhecimento, empenho, tolerância e firmeza nas virtudes. Tal homem é sábio. Nem a raiva, ou a alegria, orgulho ou falsa modéstia, vaidade, podem distraí-lo em relação a seus propósitos. Suas ações são sempre realizadas com o intuito de servirem a todos. O desejo não guia suas ações. A honestidade o alegra e ele ama aquilo que é bom. Ele não é afetado por honras ou deslizes. Como um rio no curso do rio Ganges. Ele é calmo, tranqüilo e livre de agitações.
Pelo outro lado, as qualidades de um tolo também são fáceis de serem enumeradas. As escrituras são livros ininteligíveis para eles. Ele é vazio, orgulhoso, e quando deseja alguma coisa, nunca hesitará em empregar meios inapropriados. Ele tem uma queda pelo desejo daquilo ao qual não tem o direito. Os poderosos o fazem invejoso. Deixe-me dar um bom exemplo de má conduta. Um homem age de má fé e vários outros terão que colher o resultado desta ação. Mas no fim, esta má conduta estará apenas atribuída àquele homem, enquanto aqueles que colheram os frutos sairão ilesos.
Um rei sábio discrimina o segundo com a ajuda do primeiro. Ele precisa controlar o terceiro por intermédio dos meios do quarto. Ele deve conquistar o quinto, conhecer o sexto, se abster do sétimo e ser feliz. Pelo primeiro, me refiro ao intelecto; pelo segundo, o certo e o errado. Pelo terceiro, amigos, estranhos e inimigos. Pelo quarto, o presente, a conciliação, separação e severidade. Pelo quinto, os sentidos. Pelo sexto, tratados, guerras e etc. Pelo sétimo, mulheres, jogos, caça, aspereza nas palavras, bebida, severidade nas punições e desperdício de bens. Isto significa que ele deve saber discriminar entre certo e errado pelo uso do intelecto. Amigo, inimigo ou estranho pode ser conquistado a partir do quarto. Os sentidos devem estar sob seu comando, e um rei deve estar acostumado a fazer tratados que podem ser essenciais. O sétimo deve ser naturalmente evitado se um rei aspira ser um sábio.
O veneno mata apenas um homem, assim como uma arma. Mas conselhos traiçoeiros destroem um reino inteiro, seus reis e súditos. O maior dos valores é a retidão. A paz suprema é o perdão. O contentamento supremo é conhecimento. A suprema felicidade é a benevolência. Um rei pode se tornar grande apenas fazendo duas coisas: refreando-se da aspereza em suas palavras e abandonando aqueles que são traiçoeiros. Três crimes são considerados terríveis: o roubo de propriedade alheia, o desrespeito à esposa de outros e a quebra de amizades. Três coisas destroem uma pessoa: luxúria, raiva e desejo. Três são essenciais: um discípulo, um que busque sua proteção e outro que viva onde você vive. Estes devem ser protegidos. Um rei, mesmo poderoso, nunca deve se misturar com homens destas quatro naturezas: de pouco senso, homens que postergam suas tarefas, indolentes e desinteressados. Cinco objetos devem ser venerados: o pai, a mãe, o fogo, o mestre e ātmā. Seis erros devem ser evitados por aquele rei que deseja ser grande: sono, inércia, medo, raiva, indolência e postergação. Estes seis não podem ser esquecidos: verdade, caridade, diligência, benevolência, perdão e paciência. O rei deve renunciar aos seis erros. Oito qualidades glorificam um rei: sabedoria, o nascimento em uma casta superior, continência, a capacidade de aprendizado, proeza, moderação em seus discursos, presentes oferecidos com discriminação, e gratidão. Este corpo humano é uma casa com nove portas, três pilares e cinco testemunhas. É onde ātmā reside. O rei que conhece isso, é sábio. Estes dez não conhecem a virtude: o intoxicado, o distraído, o irracional, o cansado, o raivoso, o faminto, o descastado, o desejoso, o amedrontado e aquele tomado pela luxúria.
Um homem que não sofre quando uma calamidade o acomete. Que realiza o seu melhor durante todo o tempo com seus sentidos sob controle, que conquista a miséria com paciência, é o maior de todos os homens. Aquele que não tem malícia em relação aos outros, mas é gentil. Que não fala de forma arrogante, que perdoa, é venerado em todos os lugares.
Um rei que busca a prosperidade deve tomar apenas aquilo que pode ser tomado e que será benéfico. Assim como as abelhas coletam o pólen sem destruir as flores, um rei deve tributar o povo sem prejudicá-lo. Ele deve colher as flores, mas não arrancar as raízes.
Um homem sábio deve aprender o bom comportamento, boas palavras e bons atos de toda parte, assim como alguém que recolhe os grãos dos milhos deixados no campo pelos colhedores. A virtude é preservada pela verdade; o aprendizado pela aplicação; a beleza pela limpeza do corpo; alta linhagem pelo bom caráter. Mera linhagem, no caso daqueles cujo comportamento não é bom, não merecendo respeito. Um homem ou rei que inveja a riqueza, beleza, poder, linhagem, felicidade, sorte e honra de outros, sofre de uma doença incurável. Bom comportamento é essencial ao homem. A intoxicação pela riqueza deve ser mais censurada do que a bebida, pois um homem intoxicado pela riqueza pode perder seu senso até que finalmente ele decline.
Assim como a luz da lua em seu décimo quarto dia, as calamidades crescem para aquele que é escravo de seus sentidos. O rei que deseja controlar seus conselheiros antes de controlar a si mesmo, ou o rei que deseja subjugar seus adversários antes de controlar seus próprios conselheiros, luta uma batalha perdida, perdendo sua força. Um rei, antes de tudo, precisa subjugar a si mesmo, como se fosse seu próprio inimigo. Então, ele nunca falhará em subjugar seus conselheiros e, conseqüentemente, seus inimigos. Grande prosperidade aguarda àquele que subjugou seus sentidos ou controlou seu ego, ou aquele que é capaz de punir todos aqueles que o ofendem, ou que age com discernimento, ou que é abençoado pela paciência.
O corpo é a carruagem: o intelecto é o cocheiro e os sentidos são suas rédeas. Conduzido por estas excelentes rédeas quando é bem treinado, o sábio atravessa este campo, que é a sua própria vida em paz. Os cavalos, no entanto, sendo impossíveis de serem controlados, podem levar um condutor distraído à sua própria destruição. Muitos reis de mente perversa se arruínam pelos seus desejos de domar os sentidos.
Controlar a fala é tido como a mais difícil das disciplinas. Não é fácil manter uma longa conversa com palavras elevadas e significativas que são aprazíveis para quem as escuta. Um bom discurso é capaz de conquistar muitas coisas boas. Da mesma forma, palavras ruins causam o mal. Uma floresta cortada por flechas ou machados pode crescer novamente, porém, um coração ferido por palavras perversas, nunca se recupera. Armas como flechas e dardos podem ser facilmente extraídas do corpo, mas uma palavra cravada funda no coração é impossível de ser retirada. Palavras podem ser como terríveis flechas atiradas pela boca. Ferido por elas, um homem sofre dia e noite. Um homem sábio não deve lançar tais flechas já que elas atingem o âmago dos outros.
Aquele, que é derrotado pelos deuses, perde o controle sobre seus sentidos e em função disso ele se dedica a tarefas sem valor. Quando o intelecto declina e a destruição se aproxima, então o erro, parecendo o acerto, atinge com firmeza o coração. O intelecto nublado causa a derrota.
Ablução em todos os lugares sagrados e gentileza com todas as criaturas: estes dois são iguais. Talvez a gentileza a todas as formas de vida seja ainda o mais elevado. Enquanto as boas ações de um homem forem difundidas neste mundo, ele será glorificado em outros.
Os deuses não protegem homens armados de bastões. Porém os abençoa com inteligência. Não há dúvidas de que os seus desejos se realizam proporcionalmente à forma em que ele se mantém atento à boa conduta e à moral. Os Vedas não resgatam um homem desonesto e de má conduta. O ouro é testado no fogo, uma pessoa bem nascida pela maneira em que rege sua vida, um homem honesto pela sua conduta, e um homem corajoso é testado em uma situação de pânico; aquele que tem autocontrole em tempos de pobreza, e amigos e inimigos são testados em tempos de calamidade e perigo. Empenho, estudo, ascese, presentear, a verdade, o perdão, misericórdia e contentamento constituem os oito diferentes caminhos da virtude. Os quatro primeiros podem ser praticados por motivos de orgulho, porém os outros quatro só existem naqueles que são verdadeiramente grandes.
Realize durante o dia aquilo que poderá mantê-lo feliz à noite. Realize durante os oito meses do ano aquilo que poderá mantê-lo feliz durante os quatro meses da estação chuvosa. Realize na juventude aquilo que lhe fará envelhecer feliz; realize ao longo da sua vida aqui tudo aquilo que possibilitará a sua felicidade mesmo após a morte.
Desfazer todos os nós do coração ajuda a manter a tranqüilidade, o comando sobre todos os desejos, a pura devoção. Uma pessoa deve aprender a se relacionar com o agradável e o desagradável bem como se relaciona consigo mesmo. Uma pessoa não deve responder às agressões de outras. Difícil dizer, quando uma pessoa naturalmente silenciosa sofre estas agressões, é o agressor que é consumido pela agressão. E as virtudes (se existem) deste agressor se tornarão as virtudes do agredido.
Nunca brigue com amigos. Evite a companhia daqueles que são vis e baixos. Nunca tenha uma conduta arrogante. Evite palavras carregadas de raiva. As palavras ásperas queimam os órgãos vitais, ossos e até mesmo o coração. Então, aquele que é virtuoso deve evitar palavras ásperas e raivosas. É dito que o silêncio é melhor que as palavras. Se você precisa falar, diga a verdade. Se a verdade deve ser dita, é melhor dizer aquilo que é agradável. Se aquilo que é agradável deve ser dito, é melhor dizer aquilo que é consistente e moral.
A ascese, a continência, o conhecimento, empenho, casamentos sinceros e puros, além de doações de alimentos são marcas de uma grande família.
Os homens morrem e renascem. Repetidamente eles crescem e depois perdem a vitalidade. Às vezes questionam e outras são questionados. Várias vezes eles lamentam-se e por eles são lamentados. Alegria e tristeza, abundância e miséria, ganho e perda, vida e morte são partilhados por todos. Um homem com autocontrole não sofre e nem se alegra por estes pares de opostos.
A raiva é como uma bebida amarga, ácida e quente: e suas conseqüências são dolorosas. É como uma dor de cabeça que surge sem nenhuma condição física que aponte para isso. Os sábios podem digeri-la, mas não aqueles que desejam sabedoria. Excesso de orgulho, gula, raiva, excesso no discurso, o desejo por prazeres e doenças intestinais, são estas as seis espadas afiadas que podem ceifar a vida. São estas que matam e não a morte.
É dito que os reis possuem cinco tipos diferentes de força. Destas, a força de seus braços é tida como a mais inferior. A aquisição de bons conselheiros é tida como a segunda mais forte. A aquisição de riqueza é a terceira. A força do nascimento, conquistada naturalmente através de seus antepassados é a quarta. Porém, aquela que ultrapassa todas estas e a mais elevada entre as forças, é a força do intelecto.
Aquele que nunca cede espaço à raiva. Aquele que é capaz de ver um pedaço de barro, pedra ou ouro da mesma forma e que se mantém imparcial ao agradável ou desagradável, como alguém completamente retirado deste mundo, é um verdadeiro yogi. Inteligência, tranqüilidade da mente, continência, pureza, liberdade de palavras ásperas, e um não desejo por fazer aquilo que não será prazeroso aos amigos – estas sete qualidades são o combustível para a chama da prosperidade. A virtude não tem fim: prazer e dor são transitórios. Perdoar aqueles que transgridem, reconhecer em si mesmo aquilo que é eterno e cultivar o contentamento, já que o contentamento é a maior de todas as conquistas.
Reis poderosos e ilustres governaram esta terra tão cheia de riquezas, glórias e alegrias. Todos eles foram vítimas do “Destruidor Universal” (a morte). Eles partiram deixando para trás seus imensos reinos e prazeres. O filho, criado com tanto zelo, quando morto, é levado pelos homens ao crematório. Com o cabelo despenteado e cercado pelo choro, o corpo é colocado na pira como se fosse mais um pedaço de madeira. Alguns podem aproveitar da riqueza de um homem morto enquanto os pássaros e o fogo consomem os elementos deste corpo. Somente duas coisas partem junto com ele: os méritos e os erros. Deixando o corpo, parentes, amigos e filhos retornam aos lares como pássaros que abandonam a árvore sem flores e frutos. O homem colocado na pira crematória é seguido apenas por suas ações. Portanto, gradualmente, os homens devem conquistar o mérito e a virtude.
É dito que o âmago de uma pessoa e sua própria vida são como um rio. No rio da vida, as águas são os cinco sentidos. Os crocodilos são o desejo e a raiva. Praticando o autocontrole, como quem controla um barco, um homem atravessa os redemoinhos que representam os repetidos nascimentos. No rio do âmago, o mérito religioso é como um banho sagrado; a verdade, suas águas; o autocontrole, suas margens; a gentileza suas ondas. Aquele que é virtuoso se purifica com um banho neste rio, pois seu âmago é sagrado e a ausência do desejo seu supremo mérito.”
Dhritarashtra disse: “Vidura, diga-me mais sobre atma. Diga-me como, com este corpo que possuo, posso encontrar o Único e eterno? Diga-me o que é a morte.”
Vidura disse: “Meu senhor! Eu nasci na casta dos Sudras, portanto, não me permito dizer mais do que já disse até agora. Aquele antigo e eterno rishi chamado Sanatsujata lhe falará sobre estes tópicos. Eu o invocarei.”
Vidura meditou no grande rishi. Percebendo que este fora invocado através da mente de Vidura, o grande rishi apareceu. Vidura disse: “Há uma dúvida na mente do rei que poderá ser esclarecida apenas por suas palavras. Por favor, fale com ele.” Dhritarashtra perguntou ao rishi sobre suas dúvidas em relação à morte e à “busca” por Brahman. Sanatsujata disse: “Eu lhe darei minha opinião. Os eruditos são da opinião de que a morte resulta da ignorância. Ignorância é a própria morte, portanto, o conhecimento, a ausência de ignorância, é imortalidade. A morte não devora criaturas como um tigre o faz; a sua forma é indescritível. Além desta questão da forma, há muitos que imaginam Yama como sendo a morte. Isto, no entanto, se deve à fraqueza da mente. A busca por Brahman ou autoconhecimento é em si mesmo a imortalidade. O deus imaginário, Yama, na forma de raiva, ignorância e desejo, surge entre os homens. Tomados pelo orgulho, homens caminham por vias não virtuosas. Nenhum entre eles terá sucesso na realização de sua própria natureza. Os seus entendimentos não são claros, guiados pelo apego, permanecem escravos de seus próprios corpos. São guiados por seus sentidos. Em função disso a ignorância recebe o nome de morte.
Estes homens desejosos pelos frutos de suas próprias ações deixam seus corpos em seu devido tempo. Portanto, não podem evitar a morte. Porque quando o mérito por suas ações se exaure, a morte e o renascimento são inevitáveis. Os seres encarnados por estarem identificados com os prazeres e sua inabilidade em reconhecer Brahman permanecem presos aos ciclos de renascimento.
A inclinação natural dos homens por objetos que são apenas transitórios é a causa pela qual os sentidos se perdem. O intelecto que é constantemente afetado pela busca destes, faz com que ele adore apenas os prazeres oriundos dos mesmos. O desejo pelo desfrutar atinge o homem. Luxúria e fúria vêm logo em seguida. Estes três conduzem um homem tolo à morte. No entanto, aqueles, que através do autocontrole conquistaram o intelecto, escapam da morte. A ignorância, assumindo a forma de Yama, não devora o homem que destruiu o desejo através da continência. O que a morte pode fazer a uma pessoa cujo intelecto está livre de confusão ou livre de desejos? Para esta pessoa a morte não a aterroriza. Portanto, se a existência do desejo, que é a ignorância, deve ser destruída, nenhum desejo, nem o mais suave deles, deve ser um objetivo.
O âmago de um homem, quando identificado com a fúria e o desejo, possuído pela ignorância, encontra-se com a morte. Sabendo que os desejos surgem no caminho, se um homem confia no conhecimento, não deve cultivar o medo da morte. Mesmo quando a morte atinge o corpo físico, esta morte é destruída através do conhecimento.”
Dhritarashtra disse: “Qual o objetivo da ascese? Mauna? Eu ouvi que há dois tipos de mauna: continência da fala e meditação. Qual é superior? Poderia uma pessoa atingir este estado de quietude a se tornar livre através de mauna? Como deve ser praticado?”
Sanatsujata disse: “O objetivo de mauna é reconhecer aquilo que está além do alcance das palavras e da mente. O verdadeiro mauna consiste não somente na continência da fala, mas na continência absoluta de todos os sentidos e da mente. O aspecto, forma e natureza de mauna devem ser necessariamente a dissolução daquilo que é objetivo e subjetivo (dualidade) e o foco em Brahman apenas. Quando este estado é “alcançado”, Brahman é “alcançado”. Brahman é representado pelo símbolo védico Om, que representa o denso, o sutil e o causal. Mauna é alcançado pela gradativa dissolução do denso no sutil, do sutil no causal e do causal em Brahman.
Há seis tipos de renúncia e todas são válidas. A primeira é jamais se entusiasmar com momentos de prosperidade. A segunda é abandonar os sacrifícios, preces e atos de piedade quando se objetiva apenas os méritos que surgirão deles. A terceira é o abandono do desejo, ou a renúncia ao mundo. A quarta é que não se deve sofrer ou permitir que alguém sofra quando o resultado da ação não for o desejado. Ou quando algo desagradável acontece, um homem não deverá sofrer. A quinta é não exigir que filhos, esposas e outros lhe sejam de grande estima. A sexta é doar-se (seva) à uma pessoa digna.
Brahman não é rapidamente “alcançado”. Após conter os sentidos e após os desejos terem sido dissolvidos no puro intelecto, o próximo passo é a abstenção dos pensamentos (no sentido de não se identificar com eles).
O conhecimento que conduz ao entendimento de Brahman é alcançado somente pela prática de Brahmacharya.
Brahmacharya significa a busca pela verdade. Mesmo presente na mente e inerente à ela, o conhecimento de Brahman é não manifestado. Pela ajuda do puro intelecto e de Brahmacharya é que ele se torna manifestado. Aqueles que desejam "alcançar" Brahman subjugam todos os desejos e imbuídos de virtude, têm êxito na dissociação de atma e jiva, assim como uma lâmina separa uma camada de terra. Tal homem com o corpo purificado é um sábio. Através de Brahmacharya ele se torna como uma criança, livre de apegos, e finalmente triunfa sobre a morte. Através de ações os homens só alcançam aquilo que é perecível. No entanto, aquele, abençoado pelo conhecimento alcança Brahman, que é eterno.”
Dhritarashtra disse: “Você diz, meu senhor, que um sábio percebe a existência de Brahman em seu âmago. Diga-me qual a verdadeira forma e cor do eterno Brahman.”
Sanatsujata disse: “Nem na terra, nem no céu, nem nas águas do oceano, há algo como isso. Nem nas estrelas, nem no raio, nem nas nuvens, há uma forma a ser vista. Não é visível na atmosfera, nem nos elementais da natureza, nem na lua e nem no sol. Nem no Rg, Yajur, Atharva ou Sama será encontrado. Incapaz de ser conceituado, e estando além dos limites do intelecto. Até mesmo a morte, no momento da dissolução (pralaya), é destruída nele. Incapaz de ser visto, é mais sutil do que a borda de uma lâmina e ao mesmo tempo mais denso que as montanhas. É a base que tudo sustenta. É imutável. É este universo visível. É vasto. É aprazível. Todos os seres surgiram dele e para ele retornarão. Livre de dualidade, se manifesta como o universo. Permeia tudo. Sábios dizem que é imutável, mas muda apenas através das limitadas palavras utilizadas para tentar descrevê-lo. Estes que reconhecem Este no qual todo o universo está estabelecido, de fato, são abençoados.”