segunda-feira, 18 de junho de 2012

Eu amo meu ego!




Esta frase pode parecer bem estranha, quando a dizemos no meio do Yoga.
Mas é graças a ele que estou aqui, agora. Foi através dele que fiz minhas escolhas a vida inteira. Foi através dele que criei minha identidade na sociedade e posso ser quem sou. Portanto, tenho que gostar muito do meu ego.

Existe um preconceito muito forte em relação à esta palavra. Dizer que você tem um ego, ficou tão agressivo ou pejorativo quanto dizer o que se dizia há anos atrás sobre minorias étnicas ou opção sexual.

Na verdade, o que houve foi uma grande confusão causada por maus professores, que, na tentativa de manipular mais facilmente a mente de seus alunos, começaram a espalhar esta idéia.
Ora, se não tenho a capacidade ou discernimento de fazer uma escolha, acabo aceitando o que é dito, ou, pior ainda, deixo escolherem por mim.

É necessário entendermos que o ego não é bom, nem ruim em si mesmo. Ele apenas cumpre uma função em nossas vidas. Escolher.

Como disse no primeiro parágrafo deste artigo, é através do ego que faço minhas escolhas. Se não fosse por ele, não sairia da minha cama todas as manhãs. Não conseguiria escolher minhas roupas, nem o que fazer.

É através do ego que consegui formar minha personalidade. É através dele que consigo interagir com o mundo.

O ego é esta noção de eu que me estabelece como um indivíduo. A ele se atribui um nome, características físicas, emocionais e sociais, através dos quais eu consigo me reconhecer.
Imagine se não houvesse nomes? Como chamaríamos uns aos outros? Imagine se não houvesse diferenças físicas ou emocionais entre todos nós? Qual seria a graça da vida, sendo tudo igual?

Por causa do ego, podemos ter profissões diferentes, idéias diferentes, podemos cumprir diferentes papéis, e desta forma, construirmos uma sociedade onde cada um contribui de uma forma diferente.

Segundo a visão do Vedānta, nós somos dotados de uma ferramenta bastante especial para nos relacionarmos com o mundo. Em sânscrito, ela recebe o nome de antaḥkāraṇa, ou instrumento interno.

A grosso modo poderia ser traduzido apenas como mente. Mas esta mente é subdividida em quarto partes com diferentes funções, Segundo Śri Śaṅkarācārya, no Tattvabodhah.

“A partir do aspecto sáttvico dos cinco elementos, nascem a mente (manas), intelecto (buddhi), ego (ahaṅkāra) e memória (citta). Estes formam o antaḥkāraṇa.”
“A natureza da mente é a dúvida”.
“A natureza do intelecto é a decisão.”
“A natureza do ego é esta noção de que eu faço.”
“A natureza da memória é guardar aquilo que já foi vivido.”

Depois de explicar a natureza de cada um, Śaṅkara, explica também como cada um funciona e se comporta relacionando-os com determinados atributos de certas deidades.

“A deidade que preside a mente é a lua.” (pois assim como a lua, a mente tem fases).
“Brahmā é aquele quem preside o intelecto.” (já que a partir de decisões, objetos e situações são criadas).
“Rudra preside o ego.” (através de nossas ações, promovemos mudanças).
“Vāsudeva preside a memória”.  (Vāsudeva representa a manutenção).

Portanto, não é interessante este conceito de dissolvermos ou destruirmos o ego. Esta foi uma idéia mal colocada, por maus professores, que tinham o intuito de moldar a mente de seus alunos à sua forma.
Estes mesmos professores afirmaram que estas disciplinas estavam contidas nos Śāstras e era o objetivo de uma vida de Yoga.
Na verdade, não há nenhuma história destas nos Śāstras, e também sabemos que o objetivo de uma vida de Yoga é autoconhecimento.

Para podermos desfazer esta confusão, podemos recorrer à algumas escrituras que lançam luz sobre esta questão. Um exemplo clássico desta confusão é o segundo sūtra de Patañjali sobre o Yoga. Na maioria das traduções, sempre vemos que o sūtra é traduzido ao pé da letra e não acompanha um comentário de um professor que esteja, de fato, ligado à Tradição.

A tradução do sūtra acaba ficando sem sentido. “Yoga é a cessação dos movimentos da mente”. Ou o “controle dos movimentos da mente”. Quando analisamos esta afirmação com cuidado, percebemos que é um acontecimento impossível. A não ser que estejamos em sono profundo ou inconscientes. Outra coisa impossível de ser feita, é controlar o que será pensado. Nenhum de nós tem esta capacidade. Os pensamentos simplesmente vêm. Portanto, Patañjali estaria equivocado ou somos nós que não tivemos clareza suficiente para compreendermos sua idéia?

Temos que compreender que a literatura dos sūtras, exclui tudo aquilo que é excessivo em sua escrita para facilitar sua memorização. Portanto, passando os olhos, sem o devido cuidado sobre o texto, pode deixar lacunas abertas.

yogaścittavṛttinirodhaḥ || 2 ||
“Yoga é a cessação [da identificação] com os cittavṛttis”.

Aqui Patañjali define o que é esta disciplina chamada Yoga. Normalmente este sūtra é traduzido como o “controle da mente”, mas novamente temos que atentar para o que é este controle. Na palavra nirodhah, está o radical rudh. Rudh significa controlar sem esforço. Controlar naturalmente. Usando o esforço quando necessário. Mas mesmo entendendo este radical, a compreensão deste sūtra fica um pouco superficial.

Na Bhagavad Gītā, Kṛṣṇa define o Yoga da seguinte forma:

Tam vidyādduhkhasaṁyogaviyogaṁ yogasañjñitam sa niscayena yoktavyo yogonirvinnacetasā. (Cap 6, 23)

“Que seja sabido que esta dissociação da associação com a dor é chamada Yoga. Yoga deve ser seguido com determinação e sem uma mente que tenha indiferença.” O sofrimento é fruto de nossa identificação com os vrttis (julgamentos, pensamentos, projeções...).

Quando me identifico com um destes objetos, automaticamente me vejo limitado à forma e atributo que vem junto deste.
E este é o problema que podemos ter em relação ao ego. O ego se atribui as diversas qualidades. Mas eu devo entender que são qualidades do ego, e não minhas.

É verdade que diversas vezes, nas nossas vidas, nos vemos fortemente apegados a estes atributos, e fazemos todo o esforço possível para não perdê-los.

Neste momento, a disciplina do Yoga se mostra valiosa, pois é através do autoestudo que começamos a discernir quem somos e quem pensamos ser.

Através desta disciplina há um esclarecimento de quem sou eu e quem é o ego.
O eu é sempre livre, imutável e nada faz. Portanto também não se relaciona com o resultado das ações. O ego é quem faz. Por isso em sânscrito é chamado de ahaṅkāra, ou, o eu que faz. Este sim, por agir, lida com os resultados de suas próprias ações.

Uma das coisas mais difíceis, para todos nós, na vida, é saber lidar com os resultados das nossas ações.
Sempre que agimos, pensamos ter o poder sobre o resultado da ação. E, pior do que isso, nos qualificamos Segundo estes resultados.
Quando um resultado é favorável, nos achamos vencedores, pessoas de sucesso. Ficamos felizes, pois apoiamos aquilo que somos nos resultados.

Da mesma forma, quando um resultado é “desfavorável”, nos classificamos como incapazes, e ali nos tornamos pessoas infelizes.
Usei as palavras favorável e desfavorável entre parênteses, porque na verdade esta qualificação é feita pelo ego. Pelos gostos e aversões que possuo na vida. Na verdade um resultado é apenas um resultado. E pessoas diferentes podem qualificar um mesmo resultado de formas diferentes. Portanto o problema não é o resultado em si, mas como me identifico com ele.

O ego, quando não cumpre o seu papel devidamente, faz com que nos tornemos pessoas exageradamente exigentes.
Estes padrões de exigência são impostos pela sociedade. Seja forte, belo, rico, etc…
Mas estes padrões se estabelecem apenas quando há comparações. Seja forte, mas qual é o parâmetro de força? Seja rico, mas o que indica riqueza? Só quando há comparação. Sou mais forte que fulano, sou menos rico que beltrano.

Não há nada de errado em ser rico, pobre, alto, baixo, gordo, magro e etc. Quando eu entendo que todos estes são atributos do ego e que se modificam constantemente. Quando tenho este entendimento, me dou conta  de que apesar de todas estas mudanças, a pessoa que eu sou, jamais se modifica.

Para conquistar este entendimento, é necessário maturidade, clareza. É necessário também querer este conhecimento.

Há um exercício bastante simples que podemos fazer todos os dias. Bastante familiar para aqueles que já praticam Yoga.
Ao final de uma prática de āsanas, sempre há um momento dedicado ao relaxamento. Neste momento, fechamos os olhos. É neste momento que deixamos de fazer uma das comparações mais fortes que geralmente fazemos, que é a visual.

Agora ninguém está olhando para você, e você não olha para ninguém. Ninguém está te julgando, tampouco você julga. Ninguém está se comparando. Ninguém está exigindo que um papel seja desempenhado de sua parte, nem você, de outra pessoa. Você não exige nada de si mesmo. Você é apenas você. Esta pessoa tranquila. E esta tranquilidade não é fruto de nenhum esforço. Esta tranquilidade se revela quando você ser permite ser quem você é.
Você não é o indivíduo composto por atributos sutis e densos. Você apenas é.

O julgamento é outra questão ligada ao ego que incomoda muitas pessoas. Já cansei de ouvir a famosa frase: “não julgo”, ou então me dizem: “não julgue! Você é um professor de Yoga!”

O julgamento é uma faculdade do ego. E todos nós estamos julgando o tempo inteiro. Não há vida sem julgamentos. É através do julgamento, feito pelo ego, que estabeleceremos o que faremos, como nos vestirmos e etc. Por isso, eu julgo, tu julgas, todos julgam!

Novamente, aqui, temos que esclarecer que o julgamento não é bom, nem ruim em si. É apenas o que o ego tem que fazer. E ainda bem que isso acontece, senão nada seria feito nesta vida.

Por isso o julgamento é necessário. E necessário também é aprender a não se ver como o julgamento que você faz. Você é uma coisa, o julgamento, outra.

Leve em conta que se você pratica Yoga hoje, é porque você julgou ser algo interessante para a sua vida. Se você é vegetariano, é por causa do seu julgamento. A sua escolha em não maltratar os animais, foi feita pelo seu ego. Se você leu este artigo até aqui, foi graças ao seu ego.

Eu amo meu ego e quero que ele continue sempre me ajudando a fazer as escolhas na vida. Quanto aos resultados, cabe a mim, também, aprender a acomodá-los

4 comentários:

  1. Eu também amo meu ego!!!
    Se não fosse por ele, não teria escolhido o Yoga como bússola para minha vida!
    O ego não pode ser destruído porque ele é a interface entre o mundo e nós. Sem ele, como poderíamos fazer o que deve ser feito???
    beijos

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  2. Parabéns pelo texto!Muito bom!Estes dias mesmo vi um outro dando dicas para como se livrar do seu ego.Este seu texto mostra outra versão muito mais sensata e realista.Não podemos fingir que não temos ego ou escondê-lo debaixo da cama.Ele estará conosco e ponto.Nos cabe apenas aceitá-lo e aprendermos a viver bem com ele.Novamente,muito bom o texto.

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  3. O ego dialoga, é o entra e sai, o "entre", tão necessário quanto a acomodação da consciência. Parabéns pela lucidez do texto! Bruno, gostei muito da proposta do blog, das discussões dos seus seguidores e de como você corajosamente alimenta o blog, com o seu olhar crítico sobre o yoga que nos chega pela mídia, pelo mercado, enfim, buscando um diálogo consciente sobre as banalizações frequentes de um yoga produto. Bom, estou fazendo um estudo de mestrado sobre yoga e blogs e gostaria de lhe convidar a participar também. Entre em contato comigo se puder/quiser participar: myogom@gmail.com. Estou buscando um diálogo com cada blogueiro pra conversarmos sobre trajetórias, yoga e espiritualidade e os blogs,claro! Entregandom)))

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  4. Brilhante texto! Parabéns e obrigada. Quem quiser se livrar do Ego deveria morrer, pq sem ele, morto-vivo é que será. Imagine uma vida sem escolhas, aceitando graciosamente tudo o que vier, sem emoção, sem reação, sem evolvimento. Que merda de vida! É isso que apregoa os que defendem o "sair do Ego". É tanta controvérsia, tanta loucura e a coisa é tão bem feita que se a gente não tiver uma proteção espiritual muito forte, a gente embarca direitinho na "viagem"...aff

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