segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Yogi e a bebida




Muito já se escreveu sobre o que o Yogi põe no prato. Não tanto o sobre o que o Yogi coloca no copo. Este texto não se destina tanto aos praticantes não tenham um grau de compromisso elevado com a forma de vida do Yoga, mas àqueles que se dedicam a ensinar o Yoga. O Yoga é como a mãe que acolhe o seu filho independentemente de como este se relacione com ela, sendo o seu filho o praticante. Diferente é o papel daquele que ensina.

Há algumas semanas fui a um jantar de Yoga. E nesse jantar sentaram-se dois amigos professores de Yoga e decidem, para acompanhar a refeição, escolher uma bela garrafa de vinho maduro tinto. Desde essa altura, por uma forma ou outra tenho-me cruzado algumas vezes com esta cena.

É normal? É salutar?

Não estamos a falar do hábito cultural ou social, mas deste hábito particular dentro da cultura do Yoga. Não me proponho citar Vedas e Gita para sustentar um ponto de vista. Antes quero reflectir partindo de uma base comum e um consenso que parece ser generalizado entre os professores de Yoga.

Aqui há uns meses largos um amigo enviou-me um link do New York Times, em que se dava conta de um retiro promovido por professores de Yoga dos Estados Unidos, em Itália, numa Quinta de vindima e produção de vinhos que combinava Yoga com degustação de prestigiados vinhos. Alerto que a proposta não era Yoga e embriaguez, mas sim Yoga e degustação.

Quando veiculei a notícia, foi consensual (direi naturalmente consensual) a reprovação daquela iniciativa. Alguma coisa inerente ao Yoga faz com que a generalidade dos professores de Yoga desaprove aquela ideia. Alguma coisa inerente à tradição do Yoga é contrária à ideia de degustação de vinhos por entre o Yoga.

Para os curiosos, este episódio de Yoga e vinho não foi um caso isolado. Veja-se o New Yorke Times de hoje:

http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?sec=travel&res=9E02E2DF1231F936A25751C1A9609C8B63

Pergunto-me então o que separa a iniciativa do retiro de Yoga e vinho do professor que decide beber uns copos ao jantar ou umas cervejolas numa festa com amigos?

Dir-se-á que no caso do retiro o hábito do consumo é estimulado e no outro não. É este um argumento válido?

Vejamos, se eu acho que existe coerência entre Yoga e vinho, porque não levar os meus alunos para em ambiente calmo e descontraído, por entre a natureza e sol de Itália a provarem e degustarem algumas delícias da vinicultura? Se por outro lado eu reconheço não haver coerência, vale o argumento: olha para o que digo, mas não o que faço? O professor de Yoga faz o não apropriado, mas não o incentiva, nem o recomenda. Isto é ensinar?

Felizmente em alguns círculos de Yoga existe já um consenso acerca de que o Yoga não é um “amazing workout”[1]. O Yoga é uma cultura. Ouve-se nas práticas repetidamente que o Yoga não acontece no tapetinho, mas mais importante no dia-a-dia.

A questão então é: se eu sou professor de Yoga, que exemplo dou no meu dia-a-dia? O que mudou desde que comecei a praticar e em algum momento decidi passar adiante a cultura e tradição do Yoga?

Se antes o meu tempo livre girava à volta de cinema, futebol, cabeleireiro, compras, jantares e festas com amigos e agora gira à volta do mesmo; mas mais importante se eu encontro recorrentemente tempo para ver a bola, ir ao shopping comprar mais qualquer coisa, um jantar ou uma festa, mas não consigo encontrar o mesmo tempo para estar comigo, para praticar, meditar ou estudar, onde está o meu Yoga fora do tapete? Infelizmente o Yoga fora do tapete torna-se numa serie de frases repetidas nas aulas, mas sem conteúdo… não existe coerência entre o que se diz e o que se faz. Não existe um valor completo pelo que seja o Yoga, a sua cultura e a responsabilidade de ensiná-lo. Existe apenas um meio valor. Aquilo que espero dos demais que ensinam e me ensinam é claro, por isso não aprovo o retiro de yoga e vinho. Mas o mesmo valor aplicado a mim cede à pressão interna e social: a pressão do palato, a pressão para ser aceite e estar integrado na maioria. Esta dissociação entre aquele que pensa e aquele que gera traz certamente um conflito ao professor de Yoga, mas cada um com as suas opções por conflitos internos. O que me preocupa é o exemplo que é passado.

Todos nós recebemos o Yoga de alguém. Alguém ensinou e deu o exemplo. Graças a isso o Yoga chegou até nós. Um gesto vale mais do que mil palavras. É bem verdade. Todos sabemos como o exemplo marca. Todos têm um exemplo ou já ouviram alguém referir-se ao professor de Yoga fulano, como um exemplo. Eu admiro aquela pessoa, a opção de vida dela, a disciplina, o compromisso. O exemplo daquela pessoa inspira à mudança. Aquela pessoa existe porque alguém também lhe deu o exemplo e assim vêm vindo: vidas de yoga que transformam as pessoas geração após geração e ficam como o exemplo vivo da verdade do ensinamento do Yoga.

Acontece que todos os que estão vivos e são o exemplo vão partir. É a lei da vida. Os que ficarem vão dar o exemplo. Ensinar o Yoga é assumir uma responsabilidade. Se a minha vida continua o que sempre foi, mas adquiriu uns ares de espiritualidade com que dou umas aulas de manhã e ao fim da tarde, o que vou passar adiante?

Se o Yoga é fora do tapete, se eu já tenho inerente em mim uma noção do apropriado dentro do Yoga, se até sei os porquês, impõe-se me agir em conformidade.

Que exemplo queremos deixar para o futuro? O professor que por entre umas passas de um charro de erva (plantada biologicamente claro!) fala sobre Brahman e como tudo é Brahman ou aquele que reúne os alunos ao fim da tarde junto à praia para uma cerveja fresquinha para refrescar seguida de uma meditação?

Se não vemos isso como Yoga porque damos o exemplo?

Quando assumimos a responsabilidade de ensinar Yoga tornamo-nos exemplos, quer queiramos quer não. Que exemplo queremos ser?

Fica o convite à reflexão, quem sabe à mudança… com o desejo de que ninguém se sinta ferido.

Texto escrito em 23.01.2010 por Miguel Homem. Professor de Yoga em Portugal e editor do site www.dharmabindu.com

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[1] Expressão usada por um célebre professor de Yoga dos Estados Unidos para definir o Yoga num DVD de Yoga que circula na net e outros circuitos comerciais.





Um comentário:

  1. Miguel, muito coerente a forma como vc escreveu esse artigo. Nada imposto, taxativo, apenas uma reflexão. Valeu! Om.

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