quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mais uma pérola no New York Times


When Chocolate and Chakras collide

The words of Ziggy Marley’s “Love Is My Religion” floated over 30 people lying on yoga mats in a steamy, dim loft above Madison Avenue on Friday. All had signed up for a strange new hybrid of physical activity: first an hour of vigorous, sweaty yoga, then a multicourse dinner of pasta, red wine and chocolate. As soon as the lights went up, dinner was served on the floor: an (almost) seamless transition designed to allow the yogis to taste, smell and digest in a heightened state of awareness.

“It’s a little weird to sit on a sweaty yoga mat and eat soup,” said one woman, not pausing as she spooned up a smooth, cinnamon-spiked butternut squash purée from a bamboo bowl. “But people are used to doing some weird things in yoga class.”

Joy Pierson, the chef at the nearby Candle Café, a vegan restaurant that supplied the meal, sat cross-legged at the front of the room, encouraging everyone to breathe in slowly. “Ssssmell the squassshhhh waaaafting through the air,” she intoned.

Friday’s event at Exhale Spa was the first of a series of “Yoga for Foodies” sessions, devised by a young, adventurous yoga teacher, David Romanelli, and coming soon to restaurants in Chicago, Cleveland and Dallas.

Calling his mission “yoga for the Everyman,” Mr. Romanelli, 36, plays Grateful Dead songs during class, wears sweat pants rather than spandex, and has already experimented with offering chocolate truffles after chaturanga instruction. “It’s a way of getting people in the door,” he said in an interview. “The world is a better place if people do yoga. And if they come because chocolate or wine is involved, I’m fine with it.”

The past decade has produced thousands of new foodies and new yogis, all interested in healthier bodies, clearer consciences and a greener planet. Inevitably, the overlap between the people who love to eat and the people who love to do eagle pose has grown. In 2007, a combination yoga studio and fine dining restaurant, Ubuntu, opened in Napa, Calif.

Yoga retreat centers now offer gourmet cooking classes and wine tastings; New York yogis trade tips about which nearby ashrams (Anand) and studios (Jivamukti) serve the best muffins.

But not everyone agrees that the lusty enjoyment of food and wine is compatible with yogic enlightenment. Yoga purists say that many foods — like wine and meat — are still off limits. Others, like Mr. Romanelli, say that anything goes, as long as it tastes good. The debate is exposing rich ores of resentment in the yoga world.

“The culture of judgment in the yoga community — I call it “yogier than thou” — is rampant, and nowhere more than around food,” said Sadie Nardini, a yoga teacher in New York. (“Yogis” are those who do yoga, teachers and students alike.)

Ms. Nardini “came out” as a meat-eater on The Huffington Post last year, in an essay she titled “Om Scampi.”

“Nowhere is it written that only vegetarians can do yoga,” she said in an interview. “We do not live in the time of the founding fathers of yoga, and we don’t know what they wanted us to eat.”

There are many ways to “do” yoga: the term embraces meditation, worship, study and action, as well as the physical pretzeling that Americans primarily associate with the term. Just as the Judeo-Christian tradition has produced many offshoots, yoga has many schools, like Ashtanga, Iyengar and Tantra. But over the 5,000 years of its evolution, and across Hindu and Buddhist religious traditions, yoga has always been broadly understood as a route to enlightenment and purification.

Which is where eating bacon and pouring wine in yoga class, as Mr. Romanelli has done, becomes complicated. “People are starting to push back against the traditional, quiet, serious approach,” said Mr. Romanelli, who has a scrubbed, cheerful, regular-guy aura. After graduating from Vanderbilt University, he moved to California to work as an assistant to Shaquille O’Neal’s agent. In Santa Monica, he said, there were lines down the block for yoga classes. and, noticing a business opportunity before a spiritual one, he began attending classes, where he was quickly hooked.

Ever practical, he and a partner opened their first studio in 1998 in Phoenix, where he is still based, rather than in yoga-saturated Los Angeles. He said he faced immediate disapproval when he began playing pop music in class and advertising on bus shelters, pushing the limits of the tradition. “It was the chocolate that really rattled the cages of the purists,” he said.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Yogi e a bebida




Muito já se escreveu sobre o que o Yogi põe no prato. Não tanto o sobre o que o Yogi coloca no copo. Este texto não se destina tanto aos praticantes não tenham um grau de compromisso elevado com a forma de vida do Yoga, mas àqueles que se dedicam a ensinar o Yoga. O Yoga é como a mãe que acolhe o seu filho independentemente de como este se relacione com ela, sendo o seu filho o praticante. Diferente é o papel daquele que ensina.

Há algumas semanas fui a um jantar de Yoga. E nesse jantar sentaram-se dois amigos professores de Yoga e decidem, para acompanhar a refeição, escolher uma bela garrafa de vinho maduro tinto. Desde essa altura, por uma forma ou outra tenho-me cruzado algumas vezes com esta cena.

É normal? É salutar?

Não estamos a falar do hábito cultural ou social, mas deste hábito particular dentro da cultura do Yoga. Não me proponho citar Vedas e Gita para sustentar um ponto de vista. Antes quero reflectir partindo de uma base comum e um consenso que parece ser generalizado entre os professores de Yoga.

Aqui há uns meses largos um amigo enviou-me um link do New York Times, em que se dava conta de um retiro promovido por professores de Yoga dos Estados Unidos, em Itália, numa Quinta de vindima e produção de vinhos que combinava Yoga com degustação de prestigiados vinhos. Alerto que a proposta não era Yoga e embriaguez, mas sim Yoga e degustação.

Quando veiculei a notícia, foi consensual (direi naturalmente consensual) a reprovação daquela iniciativa. Alguma coisa inerente ao Yoga faz com que a generalidade dos professores de Yoga desaprove aquela ideia. Alguma coisa inerente à tradição do Yoga é contrária à ideia de degustação de vinhos por entre o Yoga.

Para os curiosos, este episódio de Yoga e vinho não foi um caso isolado. Veja-se o New Yorke Times de hoje:

http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?sec=travel&res=9E02E2DF1231F936A25751C1A9609C8B63

Pergunto-me então o que separa a iniciativa do retiro de Yoga e vinho do professor que decide beber uns copos ao jantar ou umas cervejolas numa festa com amigos?

Dir-se-á que no caso do retiro o hábito do consumo é estimulado e no outro não. É este um argumento válido?

Vejamos, se eu acho que existe coerência entre Yoga e vinho, porque não levar os meus alunos para em ambiente calmo e descontraído, por entre a natureza e sol de Itália a provarem e degustarem algumas delícias da vinicultura? Se por outro lado eu reconheço não haver coerência, vale o argumento: olha para o que digo, mas não o que faço? O professor de Yoga faz o não apropriado, mas não o incentiva, nem o recomenda. Isto é ensinar?

Felizmente em alguns círculos de Yoga existe já um consenso acerca de que o Yoga não é um “amazing workout”[1]. O Yoga é uma cultura. Ouve-se nas práticas repetidamente que o Yoga não acontece no tapetinho, mas mais importante no dia-a-dia.

A questão então é: se eu sou professor de Yoga, que exemplo dou no meu dia-a-dia? O que mudou desde que comecei a praticar e em algum momento decidi passar adiante a cultura e tradição do Yoga?

Se antes o meu tempo livre girava à volta de cinema, futebol, cabeleireiro, compras, jantares e festas com amigos e agora gira à volta do mesmo; mas mais importante se eu encontro recorrentemente tempo para ver a bola, ir ao shopping comprar mais qualquer coisa, um jantar ou uma festa, mas não consigo encontrar o mesmo tempo para estar comigo, para praticar, meditar ou estudar, onde está o meu Yoga fora do tapete? Infelizmente o Yoga fora do tapete torna-se numa serie de frases repetidas nas aulas, mas sem conteúdo… não existe coerência entre o que se diz e o que se faz. Não existe um valor completo pelo que seja o Yoga, a sua cultura e a responsabilidade de ensiná-lo. Existe apenas um meio valor. Aquilo que espero dos demais que ensinam e me ensinam é claro, por isso não aprovo o retiro de yoga e vinho. Mas o mesmo valor aplicado a mim cede à pressão interna e social: a pressão do palato, a pressão para ser aceite e estar integrado na maioria. Esta dissociação entre aquele que pensa e aquele que gera traz certamente um conflito ao professor de Yoga, mas cada um com as suas opções por conflitos internos. O que me preocupa é o exemplo que é passado.

Todos nós recebemos o Yoga de alguém. Alguém ensinou e deu o exemplo. Graças a isso o Yoga chegou até nós. Um gesto vale mais do que mil palavras. É bem verdade. Todos sabemos como o exemplo marca. Todos têm um exemplo ou já ouviram alguém referir-se ao professor de Yoga fulano, como um exemplo. Eu admiro aquela pessoa, a opção de vida dela, a disciplina, o compromisso. O exemplo daquela pessoa inspira à mudança. Aquela pessoa existe porque alguém também lhe deu o exemplo e assim vêm vindo: vidas de yoga que transformam as pessoas geração após geração e ficam como o exemplo vivo da verdade do ensinamento do Yoga.

Acontece que todos os que estão vivos e são o exemplo vão partir. É a lei da vida. Os que ficarem vão dar o exemplo. Ensinar o Yoga é assumir uma responsabilidade. Se a minha vida continua o que sempre foi, mas adquiriu uns ares de espiritualidade com que dou umas aulas de manhã e ao fim da tarde, o que vou passar adiante?

Se o Yoga é fora do tapete, se eu já tenho inerente em mim uma noção do apropriado dentro do Yoga, se até sei os porquês, impõe-se me agir em conformidade.

Que exemplo queremos deixar para o futuro? O professor que por entre umas passas de um charro de erva (plantada biologicamente claro!) fala sobre Brahman e como tudo é Brahman ou aquele que reúne os alunos ao fim da tarde junto à praia para uma cerveja fresquinha para refrescar seguida de uma meditação?

Se não vemos isso como Yoga porque damos o exemplo?

Quando assumimos a responsabilidade de ensinar Yoga tornamo-nos exemplos, quer queiramos quer não. Que exemplo queremos ser?

Fica o convite à reflexão, quem sabe à mudança… com o desejo de que ninguém se sinta ferido.

Texto escrito em 23.01.2010 por Miguel Homem. Professor de Yoga em Portugal e editor do site www.dharmabindu.com

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[1] Expressão usada por um célebre professor de Yoga dos Estados Unidos para definir o Yoga num DVD de Yoga que circula na net e outros circuitos comerciais.





sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Yoga Antigo = Upanishads ≠ Vedas ≠ Vedánta?



Outro dia veio parar às minhas mãos um livro que li em tempos idos. A curiosidade fez-me voltar a folheá-lo.

O livro contém uma cronologia histórica do Yoga. Segundo esta cronologia o Yoga antigo, pré-clássico, teria como fonte shruti, aquilo que foi revelado aos antigos sábios védicos, os rishis. A literatura base atribuída a este Yoga antigo (pré-clássico) são as Upanishads. E, na opinião do Autor deste livro, um Yoga antigo assente no Shruti e nas Upanishads é a antítese do Vedánta, e absolutamente incompatível com este.

Mas afinal, o que são as Upanishads? Segundo o famoso dicionário Sânscrito – Inglês de Sir Monier Williams[1] (pag. 201, coluna à esq.), upanishad significa aproximar-se, sentar-se aos pés de alguém para ouvir as suas palavras. Ou seja, sentar-se aos pés do mestre. Ali diz-se ainda que o seu objectivo é a revelação do significado secreto dos Vedas que são vistos como a fonte do Sámkhya e Vedánta.

No entanto, segundo esta cronologia, o Vedánta estaria associado apenas ao Yoga contemporâneo, o que, como já se começou a demonstrar, não corresponde à realidade.

Vejamos agora o que é shruti. Segundo MW (pag. 1101, coluna à direita), shruti é aquilo que foi ouvido ou comunicado desde o início, conhecimento sagrado transmitido de geração em geração pelos brahmans, os Vedas.

Os Vedas são os tratados onde assenta a tradição védica, conhecida como sanatana dharma, o dharma eterno (o que normalmente se identifica com o Hinduísmo). Os Vedas estão divididos em duas grandes partes: o karma kánda e o jñana kánda. A primeira parte, karma kánda, lida com a acção (karma) prescrita para os diferentes objectivos humanos (purushartha) e a ética. Esta é a parte mais extensa. A segunda parte dos Vedas, jñana kánda, é a menor e versa sobre jñanam, o auto-conhecimento. É na parte final dos Vedas que encontramos as primeiras Upanishads, e é a esta parte dos Vedas que o yogí mais se dedica. E quem se debruça sobre o estudo da parte final dos Vedas? O Vedánta.

Vedánta significa literalmente a parte final (anta) dos Vedas (veda + anta). Não se fiem em mim :) Consultem o amigo MW (pag. 1017, coluna à esquerda).

A verdade é que quem quer adquirir o conhecimento das Upanishads, do Yoga antigo, pré-clássico, ouve, estuda, reflecte e medita Vedánta, que é o mesmo que dizer Jñána Yoga. Isto não significa que apenas o Jñana Yoga seja relevante. Todos os yogas tradicionais são importantes e obrigatórios para todos os praticantes. Não se pode excluir nenhum, ou escolher um em detrimento do outro se se quiser, em segurança e confortavelmente, chegar ao objectivo. E todo o yogi, mais tarde ou mais cedo, se cruza com esta verdade ao longo do seu caminho.

Conclui-se, assim, que o Autor da cronologia lavra em confusão ao qualificar o Vedánta como “grave deformação do Yoga”. Por um lado, desenvolve uma teoria de incompatibilidade entre os diferentes darshanas do sanatana dharma (o dharma védico) que vai contra toda a tradição de ensino indiana. Os darshanas não são, nem poderiam ser, incompatíveis porque se debruçam sobre aspectos diferentes do Universo. Os darshanas são complementares! E sobre isso existe abundante literatura.

Por outro lado, o Vedánta é qualificado negativamente de espiritualista, em contraposição à linha seguida pelo Autor, qualificada como naturalista. Ora, eu aprendi e aprendo Vedánta com o Swami Dayananda. O Swami Dayananda aprendeu com seu mestre e asssim segue até Shankaracharya[2] e antes dele. A importância de um mestre vivo de quem o discípulo possa receber o conhecimento é tão importante na tradição que o mantra de invocação da paz do Rg Veda termina assim:

Que Brahman me proteja. Que proteja o professor.
Que Brahman me proteja. Que proteja o professor.
Que haja paz, paz, paz.

O estranho é que nós, espiritualistas, aprendemos com pessoas de carne e osso e o Autor naturalista aprendeu com um mestre, em sonhos. Ao que parece não havia ninguém vivo com competência para o ensinar… O tal mestre aparecia ao Autor em sonhos e a alguns motoristas de táxi :).

Curioso é, ainda, que o Autor afirme que o Yoga que criou é o melhor e mais completo Yoga do mundo. Este yoga de marca registada é uma das diversas modalidades de Hatha Yoga que hoje existem.

Se entrar numa sala de aula e o Professor mandar fazer shirshásana (ficar de cabeça para baixo), paschimottanásana (flexão sentada com as pernas esticadas) ou qualquer posição semelhante que não seja sentada, já sabe que está a fazer Hatha Yoga. Existem hoje várias modalidades de Hatha Yoga. Algumas adoptaram os nomes de mestres e outras não, mas em ambos os casos um Professor competente e honesto irá confirmar que aquela é uma modalidade de Hatha Yoga. Mas não é este o caso do nosso Autor que também aqui se lança numa guerra de distinção entre o seu método e o Hatha Yoga. E entre essas importantes diferenças ficamos a saber que o seu método tem como público alvo “intelectuais, artistas, escritores, cientistas, jornalistas, empresários, executivos, profissionais liberais, universitários e desportistas, na maioria adultos jovens entre 16 e 50 anos, na sua maioria homens e com nível cultural superior e médio”. Já o Hatha Yoga seria praticado por “alternativos, espiritualistas, idosos, enfermos, nervosos, gestantes e senhoras donas de casa, na sua maioria acima dos 50 anos, mulheres e com nível cultural médio e básico”.

O preconceito salta destas palavras do Autor, sem necessidade de se fazer mais comentários.

Aos sem casta, pobres, idosos, mulheres e iletrados, em meu nome e de todos os professores sérios convido-vos a praticarem, estudarem e assumirem a tradição cultural do Yoga. Ela também é para vós!

A verdade, satya, está no início da aprendizagem do Yoga. Satya não significa apenas falar a verdade, mas também não deixar a não verdade impune. Hoje, este é o meu satyavrata, o meu voto de verdade com muita compaixão.

No Yoga, como em tudo na vida, é preciso ter um olhar crítico. Às vezes permanecemos presos a determinadas concepções ou relações, porque julgamos que são o melhor que podemos encontrar e que não existem alternativas. Elas existem sempre! E se existiram para mim, existirão certamente para outros.

Deixo-vos este pensamento do Swami Chinmayananda:

“Vá devagar. Não há pressa. Não acredite cegamente. Questione cada declaração. O seu pensamento independente e entendimento são de importância fundamental. Só então o nosso conhecimento pode revelar quem somos.”

Om asato má sadgamaya / tamaso má jyotirgamaya /
mrtyormá amrtam gamaya

Om shántih shántih shántih

“Que eu seja levado (pelo conhecimento) do irreal para o real; da escuridão (da ignorância) para a luz (do conhecimento); da morte (sentido de limitação) para a imortalidade (a libertação)
Que haja paz, paz, paz.”

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[1] Identificado de agora em diante como MW.

[2] Esclareça-se que Adi Shanakarachárya não foi o criador do Vedánta, mas tão só um reformador do Dharma Hindu.

Texto de Miguel Homem, professor de Yoga em Portugal e editor do site http://www.dharmabindu.com/