Estava ontem lendo um livro de Yoga escrito por um dos mais famosos yogis estadunidenses, que ensina um método criado por ele próprio aqui em ocidente. Embora tente me manter aberto, tendo a desconfiar das formas de Yoga nascidas fora do berço, porque a possibilidade de viralatizar a prática aumenta muito. No final do capítulo de ásana (a prática física do Yoga), uma frase chamou minha atenção: put on some inspiring music, and have fun!, que significa: ponha uma música inspiradora [para tocar durante a prática], e divirta-se! (To have fun traduz-se como "divertir-se").
Fechei o livro e disse para Ângela, minha esposa: 'eu nunca me diverti praticando ásana! Será que estou fazendo alguma coisa errada?' Fiquei com a pulga atrás da orelha e acabei indo para meu conselheiro de português, o Dicionário Houaiss para tentar entender melhor o que é diversão. Veja o que achei:
Divertir.
1. Desviar, distrair a atenção (de alguém ou a própria) de (algo)
2. Fazer esquecer. Fazer perder o hábito
3. Entreter(-se) com brincadeiras; distrair-se
4. Rir ou fazer rir; alegrar(-se)
Nunca, em nenhuma prática de ásana, apareceu um bloco carnavalesco para eu sambar, nem um palhaço para me fazer rir, e muito menos uma babá tentou evitar que eu chorasse. Será que é porque tampouco coloco música para tocar quando pratico?
Pratico ásanas porque gosto, porque percebo que faz bem para meu corpo, porque me prepara para a meditação, porque sinto que beneficia o corpo sutil e a mente. Mas nunca pratiquei para divertir-me.
Aliás, nunca achei o Yoga divertido. Podemos dizer muitas coisas sobre esta filosofia prática. Ela é profunda, é transformadora, é poderosa, é complexa, é sutil, é forte. Porém, acho que dizer que o Yoga é divertido é forçar as coisas. É tentar nos passar gato por lebre.
Enfim, isto não soa nada 'divertido', não é mesmo? Pelo menos não soa nada animador para quem pretende transcender as dimensões física, energética, psíquica e mental para ter a experiência transformadora da união com a essência íntima do ser (átma).
A Katha Upanishad, uma das mais antigas obras sobre Yoga, ensina-nos que, para conquistar esse estado de união, devemos transitar um caminho estreito como o fio de uma navalha. Isso sente-se na própria carne, de forma muito concreta, ao longo das práticas. É esse o motivo pelo qual são muito poucos os que querem ir além do ponto em que o Yoga dá saúde, acaba com males como a ejaculação precoce e a insônia. Porque, após esse ponto começam as perguntas que, se forem corretamente respondidas, nos darão a experiência transcendental do Yoga.
Portanto, dizer que os ásanas (ou qualquer outra prática de Yoga) servem para nos divertir é errar rotundamente o alvo do Yoga. É esquecer o porquê do sádhana. Alias, equivaleria a usar as práticas para fugir de si mesmo, ou esconder-se dos próprios problemas. Equivaleria, como diz o dicionário, a ir ao cinema para divertir-se das coisas ruins.
De fato, podemos encarar o Yoga como um refúgio, um guarda-chuva contra nossos problemas, uma forma de preencher nossas fantasias ou de evadir-nos da nossa realidade. Mas essa atitude estará nos colocando fora do objetivo maior, aquilo que os mestres de Yoga chamam nihshreyase, o bem supremo, que é a união com Brahman, o ser infinito.
A mesma Katha Upanishad (VI) define muito bem esse estado unificado de consciência através do qual consegue-se esse bem supremo, bem como a dificuldade em manté-lo:
Quando os cinco sentidos e a mente estão parados,
e a própria razão descansa em silêncio,
então começa o caminho supremo.
Esta firmeza calma dos sentidos chama-se Yoga.
Mas deve-se estar atento, pois o Yoga vem e vai.
Então, considerando a profunda mensagem desta Upanishad, resta a seguinte sugestão: na próxima vez que for praticar ásanas, ao invés de ligar o som e di-vertir-se (ou di-vidir-se), sugiro que você desligue o som e uni-virta-se (para poder uni-ficar-se)!
Texto de Pedro Kupfer
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